FATOS E BOATOS SOBRE O JEEP... |
A
lenda do jeep gerou muitas histórias...
Sem
sombra de dúvida, o jeep é o veículo mais
popular no universo dos veículos militares. Criado para
a guerra, sobrevive até hoje nos dias de paz. Aliado a
isso está o fato de ser o veículo militar mais comum
nas mãos de civís, pelas facilidades em se possuir
e manter um. Os muitos capítulos da história do
jeep são vastos, abrangendo assuntos desde o primeiro jeep
criado até os tipos de parafusos corretos usados nele.
Hoje, existem muitos documentos oficiais, liberados ao longo dos
últimos cinqüenta anos, com dados precisos sobre as
origens do jeep, datas de produção, contratos do
governo americano com os fabricantes, seção de veículos
para outros países (Lend-lease), etc. Estes dados empilham
farto material de pesquisa. Assim, fica difícil resumir
em poucas palavras tudo que envolve a legítima história
do jeep. É comum que muitas conversas sobre o jeep se iniciem
baseadas nos inúmeros "mitos" criados ao redor
desse veículo. Tentaremos esclarecer algumas dessas histórias,
baseadas em documentos e fatos reais e desmascarar algumas inverdades
criadas não se sabe onde. Você já deve ter
ouvido coisas como: |
1
- "Teve um cara que inventou o jeep"...
Existe uma unanimidade no nome do projetista Karl Probst - da
montadora American Bantam Car Company -como sendo o "inventor"
do jeep, mas seu maior mérito foi ser o pioneiro e grande
colaborador para dar forma ao veículo que o exército
americano queria ver fabricado. Houve uma concorrência do
Servíço de Intendência do exército
americano, aberta à 135 fabricantes de veículos,
em junho de 1940, quando a guerra na Europa já mostrava
a necessidade de reequipar as forças armadas americanas,
na eventulidade da entrada no conflito. As imagens dos veículos
alemães em ação na Europa - em especial o
pequeno e ágil Kübelwagen, serviram para os militares
americanos criarem uma "lista de desejos" para o desenvolvimento
de um novo veículo leve de transporte de pessoal, com tração
nas quatro rodas, de fácil fabricação em
massa, capacidade para três passageiros e eventual armamento
leve, peso máximo de 600 Kg (depois mudado para 625 Kg),
carga útil mínima de 300 Kg, potência de motor
mínima de 40 hp, velocidade máxima ao redor de 80
Km/h, entre outras características. A fábrica de
veículos Bantam foi a única a responder prontamente
ao pedido do exército americano (depois, apenas a Willys
e a Ford se manifestaram). A Bantam esperava sair do buraco em
que se encontrava, se ganhasse a concorrência. Então,
Karl Probst foi chamado para ajudar no projeto pelo gerente da
Bantam, Harold Crist. Probst conseguiu montar um veículo
teste, em tempo curtíssmo, usando um motor Continental
4cil e peças de outros carros, como a transmissão
e eixos do Studbaker Champion, além de outros componentes
disponíveis, que permitiriam produzir o veículo
em linha de montagem. O câmbio já era o mesmo que
seria usado no jeep posteriormente. Assim foi que, sendo a primeira
a apresentar um modelo de veículo em tempo de ganhar a
concorrência, a Bantam ficou com a fama de ser a inventora
do jeep. |
O
Bantam MK II, igual ao MK I criado por Karl Probst.
Segunda feira, 23 de setembro de 1940: Karl Probst
e Harold Crist sairam cedo pela manhã dirigindo o pequeno
veículo , da fábrica da Bantam em Butler na Pensilvânia
até o estado vizinho de Maryland, diretamente ao Campo
Holabird de testes do exército. Depois de um dia inteiro
dirigindo, chegaram meia hora antes de encerrar o prazo para entrega
do protótipo (17:30hs)! Os relatos oficiais deste teste
contam que os militares que avaliaram o veículo ficaram
encantados de imediato com o que viram, mais ainda depois de dirigir
o pequeno carro. O momento mais crucial foi quando Karl teve que
dizer a verdade sobre o peso do veículo, que estava muito
acima do requerido pelo exército e deveria ainda aumentar,
com o reforço estrutural em eventuais pontos críticos
do chassis. Nesse momento, um coronel chegou perto da traseira
do carrinho e disse: "se dois homens conseguirem retirá-lo
de uma vala, nos vamos precisar dele". O coronel, um homem
de meia-idade alto e forte, agarrou uma das alças na traseira
do carro, levantou as rodas do chão, olhou para seus companheiros
e fez um gesto de aprovação com a cabeça...
a Bantam havia ganho a concorrência para 70 veículos
teste, conhecidos como MK II...
|
Em
verdade, o jeep como ficou conhecido nos dias de hoje não
era lá muito igual ao protótipo da Bantam. O exército
americano usou esse protótipo para fomentar uma "saudável"
disputa entre outras fábricas que pudessem produzir esse
utilitário em massa. As concorrentes apresentaram algo
parecido com o veículo que a Bantam havia feito, semanas
depois - o Willys Quad chegou um mês e meio depois do Bantam.
O Ford Pigmy, muito depois. É fato que estes veículos
eram muito similares, em especial por serem baseados na tal "lista
de desejos" criada inicialmente pelo exército americano.
|
|
Willys Quad, protótipo da Willys, cópia do MKII? |
|
FORD Pigmy, protótipo da Ford |
|
Depois dos poucos modelos-teste fabricados pelas três concorrentes
na disputa pela primazia da fabricação em massa
do veículo (o Bantam Mk II teve setenta unidades, alguns
poucos Willys Quad e Ford Pigmy foram feitos), as três montadoras
(Willys, Ford e a Bantam) produziram uma linha de veículos
teste de cada modelo, aprimorados dos protótipos iniciais,
entregues ao exército americano para uso e avaliação
rigorosa. Esses modelos são da fase conhecida hoje como
pré-produção do jeep. Foram cerca de 2500
BRC-40, 1500 MA e 1500 Ford GP. Nesta fase de testes, o Willys
MA foi franco favorito. O fato é que o projeto do jeep
- que ainda nem era chamado assim - foi sendo aprimorado até
chegar no modelo fabricado em massa pela Willys - que ganhou a
concorrência, à partir de novembro de 1941. A Ford
começou a produzir o jeep sob licença da Willys,
no início de 1942. Um dos pontos positivos que levou a
Willys a ganhar a concorrência foi o seu motor, apelidado
de "Go Devil", de 64hp, que superou todos os outros
em performance. A Ford criou a tão conhecida grade dianteira
estampada, com nove aberturas, que foi adotada na linha de montagem
da Willys, no lugar da trabalhosa grade de grelha dos modelos
41. |
O Bantam
BRC-40 da fase pré-produção
Karl Probst acabou sendo o único nome na lembrança
dentre os muitos anônimos que participaram da criação
do "mito" jeep, em especial, pelo fato de ter acusado
o exército americano de ter "roubado sua idéia"
e apresentado seus desenhos às outras fábricas concorrentes.
Ironicamente, ninguém sabe o nome do funcionário
da Ford que inventou a tão conhecida grade dianteira do
jeep, que se tornou a sua marca registrada ao longo dos anos... |
|
2-"O
nome "jeep" vem de GP em inglês..."
A idéia mais genérica sobre o nome jeep
sendo a pronúncia da sigla "GP" em inglês
(pronuncia-se "djí-pí"), como abreviatura
de "General Purpouse" (termo que significa "uso
genérico"), não tem bases documentais. Essa
versão é popular pela facilidade em explicar as
letras usadas pelo Servíço de Intendência
do exército americano, que dava nome ao veículo
Ford GP. O fato: na sigla "GP", o G era código
interno da Ford para "governement" e P, para "Wheel
Base: 80"( distância entre eixos de 80 polegadas),
de acordo com documentos oficiais. Também explicam o P
para "personal" (transporte de pessoas), sem base documental.
O nome oficial do jeep era "Truck 1/4ton Command and Reconaissence
Light Vehicle" ( caminhão de 1/4 de tonelada leve
de comando e reconhecimento ), longe de ser assim chamado vulgarmente.
Num curto momento, tentaram chamar o novo veículo de "Peep"
(xereta), para explicar o papel de carro leve de reconhecimento
e observação. Ainda antes do popular nome jeep,
o veículo era chamado de "quarter ton truck".
A Ford teve que denominar seu modelo - fabricado sob licença
da Willys - como Ford GPW, sendo G de Government, P para distância
entre eixos de 80pol e W de "Willys Patent", já
que a Willys autorizou a Ford a fabricar o veículo depois
de precionada pelo governo. |
Eugene
the Jeep A versão do apelido jeep sendo proveniente
do personagem de quadrinhos Popeye também é aceita.
Havia um animalzinho parecido com um cachorro nas historietas
do Popeye chamado "Eugene the Jeep", que ficava invisível
e salvava seus amigos dos maiores perigos, daí a comparação
com o pequeno veículo. Esse personagem foi criado em 1936...
anos antes do veículo "jeep" ser assim chamado.
Também havia um certo avião militar de asa alta
que era chamado de jeep, além de alguns veículos
meio feiósos usados pelo exército já receberem
esse apelido antes mesmo do jeep surgir, como um trator da marca
Minneapolis Moline. Há
também relatos de "jeep" sendo uma gíria
militar usada para qualquer trambolho ou coisa ruim de carregar.
Mais tarde, o termo Jeep foi patenteado pela Willys no pós-guerra,
que depois passou para a Kaiser, AMC e Chrysler, atual detentora
da marca, mesmo após a fusão Daimler/Chrysler.
Este trator se chamava jeep... |
3-"Os
jeeps da Ford tinham um "f" em cada peça para
diferenciá-los dos Willys..."
Não pelo fato do Sr Henry Ford ser um louco obsessivo,
mas pelo simples fato da Ford garantir uma peça inteiramente
grátis, no caso de suas peças apresentarem defeito
de fabricação. Muita gente desconhece essa informação.
Peça
marcada com "f" da Ford
Para isso, nada mais garantido que marcar cada parafuso ou peça
fabricada pela Ford para diferenciá-las da Willys. Isso
inclusive gerou o surgimento de peças "piratas",
falsamente marcadas com um "F" para serem trocadas por
uma peça nova Ford original. Muitas peças tinham
suas marcas "F" ocultas pela tinta. Por isso, eram detalhadamente
catalogadas para evitar falsificações, sendo apenas
reconhecidas por especialístas. Nos dias de hoje, essas
peças são um dado de originalidade importante nos
jeeps Ford da época da Segunda Guerra
|
4-"Os
jeeps eram lançados de pára-quedas..."
Esse
é um dos fatos mais errôneos sobre o uso do jeep.
NENHUM jeep JAMAIS foi lançado de pára-quedas operacionalmente.
Durante a Segunda Guerra, jeeps usados em operações
aerotransportadas nos pelotões de pára-quedistas
eram embarcados em aviões de carga ou enormes planadores,
onde só cabia apenas um jeep. Para esse fim, acabavam sendo
alterados em várias partes, para diminuir seu peso e dimensões
e então caber no exíguo espaço dentro destes
aviões. Assim, cortavam-se partes do pára-choque
dianteiro, retirava-se o pára-brisas, realocava-se o pneu
estepe da traseira para a frente do capô, etc. É
apenas sensato entender que era impossível atirar um jeep
de pára-quedas sem que ele se estraçalhasse todo
ao bater no solo ou até mesmo explodisse com a gasolina
do tanque... Nenhum jeep foi lançado de paraquedas operacionalmente
durante a Segunda Guerra. Numa única ocasião
documentada, em 1947, o Exército Britânico lançou
um Jeep de pára-quedas para avaliação de
resulatados, que não foram encorajadores. Sendo
assim, vamos ajudar a por um final na história de que qualquer
jeep podia ser lançado de para-quedas. Até poderia,
mas coitado do jeep! |
|
Esse é um legítimo "jeep paraquedista"
que não era lançado de para-quedas... veja o
que aconteceu na tentativa...
|
|
|
Um raro registro de um Ford GP(1941) numa parada do exército
em São Paulo, no ano de 1942...
5 - "Os jeeps da Segunda Guerra são de 1942..."
Os
jeeps só começaram a chegar ao Brasil em 1942, depois
do acordo de assistência militar com os Estados Unidos (chamado
Lend-Lease). No momento em que o Brasil declarou guerra contra
o Eixo, bases americanas foram montadas em cidades costeiras como
Recífe, Natal, ou mais ao Norte, como Belém, na
rota aérea para o Norte da África. Logo, uma grande
quantidade de material americano começava a chegar para
uso de nossas forças armadas, também por via marítima,
estando o jeep entre estes. Há relatos de alguns raríssimos
Willys MA (sem registro) e "Slatt Grill" ("grade
de grelha"), raríssimos Ford GP (sem registro) e Bantam
BRC-40 (ao menos um exemplar existente), todos estes fabricados
em 1941, estarem entre as primeiras unidades que chegaram ao Brasil.
Estes modelos da fase de pré-produção, foram
enviados para muitos países (Inglaterra, Rússia,
China, Brasil). Muitos jeeps da produção do período
da guerra (de 41 à 45) também foram comprados pelo
Brasil nos anos seguintes ao conflito, como excedente de fabricação
americana ("war surpluss"). |
6-"Ainda
se encontram jeeps encaixotados, abandonados em bases americanas..."
Esta
foto é o mais perto que você vai chegar de um jeep
no caixote...
Muito se falou sobre bases americanas abandonadas na selva amazônica
ao final da guerra, com jeeps ainda desmontados em caixotes. Ou
de jeeps encaixotados achados no Leste Europeu. Puro mito. Os
grandes especialistas em jeeps nos Estados Unidos e Europa são
categóricos em afirmar que jamais viram um jeep embalado
(encaixotado) para transporte depois da guerra, a não ser
em fotos de época, mesmo com uma gorda soma em dinheiro
para quem aparecer com um jeep no caixote... |
Jeeps podiam levar metralhadoras, na versão "agressiva"
7-"Meu
jeep foi usado em combate na Segunda Guerra..."
99,9% improvável. A não ser que haja uma evidência
muito clara na originalidade deste veículo, como marcações,
placas de identificação originais ou mesmo alguma
foto comprovatória. O Brasil trouxe muitos dos veículos
usados pela FEB na Itália, que se misturaram aqui com a
grande quantidade de material recebido dos EUA no pós-guerra
(chamado de "war surpluss", ou excedente de guerra).
Além disso, muitos veículos militares foram alterados
de sua numeração original ao serem "descarregados"
(termo para retirada de serviço operacional), vendidos
ou sucateados, sendo praticamente impossível saber ao certo
seu período de produção ou número
de contrato. São muitas histórias de Dodges usadas
pelo Vargas ou jeeps usados pelo Mascarenhas que, uma vez reunidos,
lotariam um estacionamento de shopping. Pura balela. O jeep do
general Mascarenhas, batizado de Liliana, está no Museu
Conde de Linhares no Rio, mesmo sem evidências de que é
exatamente o mesmo que foi usado na guerra ou uma caracterização. |
8-"Os
jeeps tinham um purificador de água..."
Trata-se de um mal entendido. Acontece que os primeiros
jeeps que foram enviados para uso das forças inglesas no
Norte da África, sofreram com as condições
extremas de calor e falta d'água no deserto, já
que o motor do jeep é refrigerado a água. Assim,
foi inventado um aparato que captava a água que se expandia
do radiador, com o calor gerado, indo para dentro de um compartimento
cilíndrico preso na grade dianteira do jeep, nada mais
que o atual vaso de expansão dos veículos modernos.
A preciosa água do radiador durava um pouco mais com esse
aparato. Havia um modelo grande, para uso no deserto, além
de um segundo modelo menor.
Vaso de expansão
na grade de um "jeep do deserto" |
A
maioria dos jeeps com o vaso de expansão foi usado no Norte
da África e nas regiões quentes do Mediterrâneo
(Itália e Grécia). A grande maioria dos jeeps não
usava este equipamento, pois o motor do jeep funcionava melhor em
climas amenos (o que não evitava problemas particulares nas
baixas temperaturas de inverno, como congelamento do radiador, diferencial,
etc).
Jeep
dos "Ratos do Deserto", usado no Norte da África
Esperamos
que este pequeno artigo venha a ajudar ainda mais nas conversas
sobre o jeep. Sabemos que ao redor de uma "lenda", se
criam muitas e muitas histórias, o que na verdade só
faz aumentar nossa admiração, curiosidade e paixão
por este verdadeiro símbolo da história automotiva.
Fontes:
The Story of Jeep, Patrick R. Foster; Jeep, Bantam-Willys-Ford,
Emile Becker/Guy Dentzer. Military Vehicles, Bart Vanderveen;
Jeep, o Indestrutível, editora Hennes. Contribuiram: Roberto
Amboni, João Paulo Lopes, Jason Vogel; Fotos: acervo CVMARJ
(domínio público ou coleção particular
dos sócios) |
|
|
|